no primeiro capítulo do Ulysses acontece as seguintes ações (fundamental reforçar que este é o tipo de livro que não importa muito as ações, mas sim como elas são contadas; ou seja é uma obra muito mais de linguagem do que de enredo - certo, podemos discutir em teses e mais teses o que é linguagem e o que é enredo, mas acho que isso ilumina um pouco a estrada de letrinhas que percorremos. mas então por que, por São Patrício, tu vai me falar do enredo se ele pouco importa? seilá, imaginei que um GUIA DE LEITURA [coff, coff] como este precisaria conter as ações que criam a cena e... ah, me deixa!):
- Buck Mulligan, um amigo picareta de Stephen Dedalus, sobe no parapeito de uma torre com um pote cheio de espuma de barbear, um espelho e uma navalha. ele e Dedalus passam algum tempo ali, olhando para a baía, enquanto o falastrão do Mulligan... bem, fala muito, e Stephen Dedalus, o mala, fica ali sofrendo as dores do mundo. Dedalus se dá por ofendido por algo que Mulligan disse-lhe um tempo atrás. comentam sobre um inglês, Haynes, que está com eles na torre (que á alugada).
- Descem, uma fritura enche a cozinha de fumaça, conversam, chega a velha que vende leite, eles comprarm e ficam devendo um tanto.
- Mulligan descobre que Dedalus vai receber hoje e pede-lhe dinheiro emprestado para beber.
- vão para um pequeno lago nadar. não. Mulligan nada enquanto Haynes tenta conversar com Dedalus, que é um blasé do cão e lhe dá pouca atenção.
- Dedalus, em diversos momentos da narrativa, é atormentado pela lembrança da mãe recém-falecida e por um cavalar sentimento de culpa de não ter orado com ela em seu leito de morte.
- Mulligan conta pra Haynes que Dedalus consegue provar ALGEBRICAMENTE que o neto de Hamlet é o avô de Shakespeare, mas Dedalus, o maleta, se recusa a dar mais informações.
- Dedalus é atormentado pela ideia de estar sendo picaretado por Mulligan. a última palavra do capítulo é "Usurpador."
- o capítulo termina com Dedalus se afastando para ir à escola onde leciona história, e combina de se encontrar com haynes e Mulligan 12h30 para almoço.
Stephen Dedalus é o personagem principal de outro livro de Joyce, Um retrato do artista quando jovem, e os três primeiros capítulos de Ulysses o tem como protagonista. Boatos fortes dão conta de que ele é um alter ego do próprio James Joyce.
de acordo com as anotações de Joyce, essa cena se passa às 8h da manhã, e há muitas referências à branco e dourado e à teologia, mas não são discussões tão diretas quanto na Montanha Mágica, por exemplo. a cena é narrada ininterruptamente (só pára com as entradas dos pensamentos dos personagens).
quem sou eu pra falar isso, mas acho um capítulo ruim para começar o maior roamnce do século XX. Afinal, Dedalus é uma criatura soturna e chata, sem o charme literário dos deprimidos e sem a boa vontade dos personagens felizes. Ressalte-se, porém, que essa concepção do personagem está afinada com o livro, mas não é de se admirar que tanta gente desista do livro antes de matar os três capítulos com o Stephen "nuvem negra" Dedalus.
pincei uma frase notável do texto - pelo menos eu acho: "– Você contempla em mim, Stephen disse com amargo desprazer, um horrendo exemplo de livre pensar."
das palavras estranhas citadas:
- Thalata! Thalata!, quer dizer O mar! O mar! teria sido dito por guerreiros gregos quando achavam que nunca voltariam para casa e veem as águas.
- omphalos é o nome que Mulligan dá a torre que vivem. a palavra significa umbigo, mas também é usada para nomear artefatos religiosos de pedra.
- introibo ad altare dei é latim (entrarei no altar de Deus), é o começo da missa católica.
- Chrysostomos quer dizer "dente de ouro".
- Epi oinopa ponton = sobre o mar cor de vinho escuro.
- Liliata rutilantium te confessorum turma circumdet: iubilantium te virginum chorus excipiat - latim, oração para moribundos. algo como "Que a multidão de exultantes confessores adornados de lírios teenvolva; que o coro de virgens jubilosas te dêem as boas vindas".
- Zut! nom de dieu! - é uma imprecaução tipo Desgraça!, Bolas! (hehehehe), Que merda...
- et unam sanctam catholicam et apostolicam ecclesiam = E uma igreja sagrada, católica e apostólica.
na próxima postagem, as relações que achei entre o primeiro capítulo, chamado de Telêmaco, e a Odisseia.
Um comentário:
Ótimo, muito esclarecedor! Poupou-me de consultar inutilmente o meu Izidro Pereira, sj !
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