faz um tempinho que eu vi o belo filme do Aronofsky.
tinha colocado ele na pauta do blogue, mas deixei quieto porque todo mundo já tinha falado o que precisava ser dito.
pra bem e pra mal.
mas depois dessa assustadaora leitura do João pereira Coutinho, na Folha de S. Paulo de hoje, resolvi defender o filme.
(ou seria defender a mim mesmo, já que concordar com o Coutinho seria discordar de mim?)
ao contrário do que dizem por aí, Cisne negro é, sim, um filme de balé.
a leveza e a graça de uma arte de dança é oposta ao peso e à pressão psicológica vivida pelas bailarinas.
ainda há a pressão da arte de performance. um escritor pode errar, reler, reescrever e o público nunca saberá. diferentemente de uma dançarina que erre a coreografia.
com esse paradoxo de saída, Aronofsky encaixa outro: a disputa dos conceitos apolíneo e dionísíaco sobre Nina, a protagonista.
é um filme de balé que põe seus pés, firme e categoricamente, em uma discussão estética.
(economizo vocês das questões sobre autoimagem, o duplo, identidade fragmentada e o caraio a 4)
a questão não é que Nina precisa perder a virgindade, os pudores e a razão. mas a questão também não é que ela precisa manter o tecnicismo, a busca da perfeição impossível. ela precisa é encontrar o meio termo.
o filme é a busca dos dois conceitos opostos em uma única pessoa.
dionisíaco, claramente, vem de Dionísio (ou Baco), deus grego, entre outras, da arte não figurada e do exagero. seus seguidores esquartejavam animais vivos e comiam o que sobrava, acreditando beber o sangue e comer o corpo do deus (vinho + hóstia católica? oi?). Dionisío representa a força criativa do caos e do desregramento.
apolíneo, é de Apolo. deus das artes figuradas. é de Apolo que vêm a beleza clássica, as formas perfeitas e a sublimação pela experiência estética absoluta. Apolo representa o gênio criativo e a consciência do processo.
Apolo é encantamento e Dionísio é a participação.
(deve existir nomes gregos pra isso, mas não conheço)
Nietzsche tratou o assunto com um tanto mais de qualidade que eu em seu A origem da tragédia. Lá o bigodudo alemão postula que a tragédia grega só é possivel no afluente dos pensamentos apolíneos e dionísiacos.
e isso é Cisne negro. uma discussão estética clássica, repensanda pra nossa sociedade e época, através de uma arte em "quase" desuso.
ah, gostaria de ter revisto Repulsa ao sexo antes de escrever isto, pois a noção de que são filmes relativos ainda não me abandonou.
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