quinta-feira, março 30, 2006

Nelson

Nelson não tem dúvidas que o jogo será difícil. A final do torneio da cabeceira do rio Concórdia. O Esporte Clube Piratini está em campo aquecendo.

Nelson, impaciente.

"Melhor esperar meia hora, do que chegar dois minutos atrasados, mas não pro nascimento de um filho!" Mediante sua ansiedade, revia seus conceitos. Lourdes entrara em trabalho de parto pouco antes do almoço.

Nelson, ansioso.

Começa a chover antes do apito inicial. Norberto, chega para seus dois irmãos mais novos e diz:
- Nelson! Anildo! Dio madonna! calma! vocês são bons e fizeram um campeonataço até aqui. o que pode dar errado?

Nelson não sabe. Mas não gostava quando chovia.

Ele sempre ficava nervoso quando chovia. Como naquele jogo do torneio do rio Chapecó. Ou era do rio Concórdia? "Um filho! O que isso mudará na nossa vida? Uma vida de dois extendida a três."

Dio cramento!

1 X 0, pra eles. Quase final do primeiro tempo. Nelson, trajando a jaqueta de número 8, recebe a pelota, gira e escapa do desarme, prepara e lança pra Anildo (11), pela direita. Anildo recebe, domina no peito, ajeita com a coxa e arremata certeiro no canto esquerdo baixo do porta-metas adversário. 1 X 1!

Nelson, feliz.

16h. O médico já avisara Nelson que tudo agora seria questão de poucos momentos. "Acho que essa chuva é, no fim das contas, alguma coisa boa." Ao olhar pras gotas conhecendo o chão, Nelson não sabia, mas experimentava uma epifania.

A ansiedade prossegue.

Já é segundo tempo. Nelson não gosta de chuva. Campo liso é mais difícil. O pior é aquele bigodudo que não cala a boca:
- manda embora esse 8. é um pereba! um perna-de-pau!

Nelson, nervoso.

"Vêm filho, vêm. Não demora tanto. Promete que não vai chegar aprontando. Teu pai só quer te conhecer. Vêm."

"O Bigodão não cala a boca. Parece não saber falar outra coisa. Opa. Vou mostrar pra ele. Um veio, sai. Cadê o Anildo pra eu tocar. Sai daqui, limpei esse. Cadê alguém pra receber? Têm dois na frente e outro vindo por trás. Pelo meio. Cadê alguém? Vou chutar. O goleiro saiu."

Nelson, em dúvida.

"Será que tá tudo bem? Que demora, meu Deus. Será que deu algo errado com a criança? Com a Lourdes? Por Deus, não, Deus não permita que..."
- senhor Nelson? Nelson se virou tão rápido quanto pode.

Tira o goleiro do lance e chuta forte. GOL! Nelson corre pela chuva e com a testa franzida, chega até o Bigode, e põe o indicador em riste sobre os lábios, até ser submerso pelos companheiros do Piratini. Aquele era o maior golaço que Nelson já havia feito ou faria. Driblou 5 jogadores e virou o jogo. Motivado pela raiva.

Nelson, sorridente.

Seu filho nascera 16h30, de cesariana, porém sem complicações para mãe, criança ou pai. Era a maior conquista da sua vida. Sua melhor jogada. Não só sua, também de Lourdes. Motivados pelo amor de um pelo outro.

Satisfeito, Nelson se deixa chover.


O vencedor - Los Hermanos

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