quarta-feira, março 29, 2006

Tranquilo

Tranquilo estava apaixonado. Era capaz de apostar cada um do seus tostões duramente economizados que Catarina correspondia a seus desejos, olhares e esperanças.

Pensando bem, não apostaria não. Tinha a mais absoluta certeza, mas pra quê arriscar perder o pouco que se tem?

Ai! A miséria, ai a carestia! Tranquilo queria presentear Catarina com algum mimo, para que as evidências transparecessem como os fatos irremediáveis que eram. Mas tudo tão caro!

Flores? Muito caras e convencionais. Doces? Também caros. Roupas? Essas sim, custam os olhos da cara!

As necessidades econômicas de Tranquilo, mal sabia ele, já eram adaptadas à época da distribuição gratuita de música e programas. O que fazer pra suprir as necessidades e não ir à falência?

Tranquilo sabia. Na tarde de domingo, foi até a casa de Catarina, logo pela manhã.

O orvalho ainda deslizava pelas folhas e as poças d'água de dias anteriores de chuva não haviam se retirado, enquanto Tranquilo sentia seus pés umedecerem. Sua testa e torso, começavam a pingar.

Ao longe fez sinal para que Catarina, que estava no seu quarto, fosse até ele. Entre ansiosa e assustada, a bela jovem saiu pela porta e aproximou-se.

Tranquilo entregou-lhe uma caixa verde. Sorrindo, ela a abriu: nada.

Olhou para Tranquilo, que sorria, senentendida.

- Aí dentro está meu amor, minha admiração por você e a vontade de fazê-la minha esposa.
- Mas não tem nada aqui!
- É, não tem. Não coube, nem há caixa no mundo em que caiba!

Exatos vinte anos depois, o pequeno Nelson, recebe pelo correio uma caixa verde e leve, remetida por Tranquilo. Entrega-a para Catarina.

- Mãe, foi o pai que mandou! Mas não tem nada aí dentro...

Sorriso e lágrimas, Catarina ensina a Nelson:
- É que não coube aqui dentro, filho.



After all - Cat Power

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