quarta-feira, maio 31, 2006

As diversas quedas

Você ainda lembra da sua infância?

Não estou pensando em primeiros amores ou brincadeiras marcantes. Falo daquela idade em que se é um bebê e não se é capaz sequer de falar.

Tenho um amigo que lembra de, sentado no sofá de sua casa, jogar um objeto amarelado longe. Era a carteira de cigarro de seu pai, que viu naquilo um sinal para que parasse de fumar.

Conseguiu até o dia da separação, quando aceitou um cigarro desse meu amigo que anos antes, em formato bebê, jogara pela janela uma carteira de Camel. Ele fuma Carlton.

Outro amigo meu lembra de estar sentado num tapete sobre o teto de um fusca verde. E de que o sol beliscava sua face e o tornava amarelo.

Esse não fuma, nem assistiu separação dos pais, embora queira projetar um computador que funcione por luz.

Eu me lembro de meu pai com os braços abertos e sorrindo, enquanto eu dava um passo frágil e caía. Levantava, re-equiibrava e caía.

Meu pai sorria (não ria), por isso me dava confiança e a oportunidade de seguir.

Nos braços dele. A memória dá um salto e perco toda minha via vitoriosa, com sabe-se lá quantos passos.

Aqui, andando pela calçada, vejo meu pai de braços abertos na esquina. Caminho trôpego até ele.

O vinho me empurra para um lado, eu me seguro na lixeira.
A vodca me amarra os fios invisíveis do pé, eu me asseguro num muro semi destruído.
O bilhete dela no bolso da calça empurra pra fora parte do vinho, da vodca, dos sanduíches, de mim e de meu amor próprio.

Limpo o rancor azedo no canto da boca e olho pro meu pai sorrindo. Sem represálias. Sorrindo.

Ando até ele e o desespero me empurra para seus braços.

Caído na calçado, procuro meu pai. Ele se foi e não voltou. Ele nunca esteve aqui.

Pai, ó pai: por que me abandonaste?



Carta - Toranja

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